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15 vezes Albert Camus sobre literatura e escrita

  • Guilherme Dearo
  • 7 de out.
  • 3 min de leitura

Na coletânea de ensaios "A inteligência e o cadafalso", o escritor francês fala de Wilde, Melville, Sartre, Gide, Flaubert e diversos outros escritores e escritoras, dando ao leitor comentários preciosos sobre o poder da literatura e da arte


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I. É preciso ser dois quando se escreve. Na literatura francesa, o grande problema é traduzir o que sentimos para aquilo que queremos que seja sentido. Chamamos de mau escritor aquele que se exprime levando em conta um contexto interior que o leitor não pode conhecer. O autor medíocre, dessa forma, é levado a dizer tudo o que lhe agrada. A grande regra do artista, ao contrário, é esquecer parte de si mesmo em proveito de uma expressão comunicável. Isso não ocorre sem sacrifícios. E esta busca de uma linguagem inteligível, que deve recobrir a desmedida de seu destino, leva-o a dizer não aquilo que lhe agrada, mas aquilo que é necessário.


II. Pois não há arte onde não há nada a ser vencido.


III. A obra de arte é uma coisa humana, sempre muito humana, e que o criador pode prescindir de exercícios de transcendência. Eles não nascem de clarões de inspiração, mas de uma fidelidade cotidiana.


IV. Não imaginamos um romancista que não ame alguma de suas personagens. E nenhum de nossos grandes romances pode ser compreendido sem uma paixão profunda pelo homem.


V. Li o livro em uma noite, como sempre, e ao despertar, possuidor de uma estranha e nova liberdade, adentrei, hesitante, em uma terra desconhecida. Acabava de aprender que os livros não forneciam apenas o esquecimento e a distração.


Pois não há arte onde não há nada a ser vencido

VI. O segredo de Gide é que ele nunca perdeu, em meio a suas dúvidas, o orgulho de ser homem. Morrer fazia parte dessa condição que ele quis assumir até o fim. O que teriam dito sobre ele se, após ter vivido em meio a privilégios, tivesse morrido tremendo? Isso sim teria mostrado que sua felicidade era roubada. Mas não, ele sorriu para o mistério e ofereceu ao abismo o mesmo rosto que apresentou à vida.


VII. Wilde dedicou-se a provar, pelo exemplo de sua vida, que os maiores dons da inteligência e os prestígios mais brilhantes do talento não bastavam para se fazer um criador.


VIII. De fato, há grandes chances de que a ambição real de nossos escritores seja, após ter assimilado Os demônios, escrever um dia Guerra e paz. Ao fim de uma longa corrida pelas guerras e as negações, eles mantêm a esperança, apesar de não confessarem, de reencontrar os segredos de uma arte universal que, com humildade e maestria, ressuscitaria enfim as personagens em sua carne e em sua duração. É duvidoso que esta grande criação seja possível, no estado atual da sociedade, ocidental e oriental.


IX. Guardemos também a possibilidade do gênio, e que um novo artista consiga, com superioridade ou frescor, registrar todas as pressões que sofre e digerir a essência da aventura contemporânea. Seu verdadeiro destino seria então fixar em sua obra a prefiguração do que acontecerá e nela fazer coincidir, excepcionalmente, o poder de profecia e o poder da verdadeira criação. Estas tarefas inimagináveis não poderão privar-se contudo dos segredos da arte do passado.


X. “As obras primas”, dizia Flaubert, “são como os grandes animais. Parecem tranquilas.” De fato, mas em seu sangue sempre correm estranhos e jovens ardores.


XI. Existe uma lei na arte, contudo, que diz que todo criador sente-se incomodado com o peso de suas virtudes mais aparentes.


O poeta de todos os tempos fala exatamente para o nosso.

XII. Após reconhecer as virtudes, o crítico acreditava ter feito o bastante, esquecendo que, em arte, a virtude não passa de um meio, posto a serviço do risco.


XIII. O poeta de todos os tempos fala exatamente para o nosso. Está no centro do burburinho, apresenta suas formulações tanto para nossa tristeza quanto para nosso renascimento.


XIV. Um romance nunca passa de uma filosofia posta em imagens. Em um bom romance, toda a filosofia passou pelas imagens. Mas basta que ela ultrapasse as personagens e a ação, que apareça como uma etiqueta sobre a obra, para que a intriga perca sua autenticidade e o romance, sua vida.


XV. Entretanto, uma obra duradoura não pode deixar de lado o pensamento profundo. Esta fusão secreta da experiência com o pensamento, da vida com a reflexão sobre seu sentido, é o que faz o grande romancista.


Albert Camus. A Inteligência e o Cadafalso. Record, 2018. Trad. Manuel da Costa Pinto, Cristina Murachco.

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