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10 vezes Adam Phillips sobre querer mudar

  • Guilherme Dearo
  • 21 de ago.
  • 4 min de leitura

Em "Sobre Querer Mudar", que acaba de ser traduzido e editado no Brasil pela Ubu, o psicanalista galês Adam Phillips (1954) explora diferentes facetas da mudança e da conversão (religiosa, política, terapêutica ou pessoal), analisando a partir de autores como Étienne Balibar, Sigmund Freud e Donald Winnicott os sentidos ambíguos da mudança pessoal e o que está em jogo quando desejamos transformar a nós mesmos


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Não sabemos como lidar com o fato de que somos capazes de exercer um efeito tão poderoso uns sobre os outros, nem com o fato de que desejamos esses efeitos tanto quanto os tememos.

I. Para Freud e James, o inimigo do prazer e do crescimento era a estagnação, o vício, a fixidez, a estase. Eles nos ensinam sobre as tentações do embrutecimento, o fascínio da inércia, o desejo de atacar nosso próprio desenvolvimento; e sugerem (...) a facilidade com que as experiências de conversão se transformam no anseio por uma mudança que, de uma vez por todas, pusesse um fim à necessidade de mudar; uma mudança na direção do que é, para todos os efeitos, uma paralisia satisfatória e tranquilizadora.


II. A conversão é sempre conversão a um grupo. Assim, o que está em jogo quando falamos em conversão e no tipo de histeria que ela é capaz de, ao mesmo tempo, curar e evocar é o que as pessoas deveriam estar fazendo juntas e como deveriam se influenciar, afetar-se umas às outras, bem como o que nelas deveria ser assim influenciado.


III. Não sabemos como lidar com o fato de que somos capazes de exercer um efeito tão poderoso uns sobre os outros, nem com o fato de que desejamos esses efeitos tanto quanto os tememos.


IV. Essa busca contínua por um objeto que “promete transformar o self” é, portanto, um lembrete de nossos primeiros e mais absolutos estados de necessidade dependente. Um objeto do qual dependemos só pode ser um objeto que convoca em nós a mais profunda ambivalência.


V. É como se o self, por definição, fosse aquilo que precisa se definir, e se definir insistindo naquilo que não é – um agente duplo com muito trabalho a fazer. (...) Um self coexistindo com sua ausência, segundo a formulação mais moderna. Um self sempre obrigado a no mínimo administrar versões conflitantes e concorrentes de si mesmo; um self sempre obrigado a corrigir suas representações de si mesmo, apesar de saber, do alto de sua modernidade, que não passam de representações, imagens e descrições de algo que somente pode existir nessas imagens e descrições. Um self cheio de conflitos, que é obrigado a equilibrar contradições – ou, no mínimo, fazer algo com elas, ou a respeito delas.


Como podemos ser como outras pessoas de um modo que nos permita ser mais como nós mesmos?

VI. Se a questão moderna é, como sugere Michel Serres, “o que é que você não quer saber sobre si mesmo?”, a questão pragmática que se segue é: o que se pode fazer com o que se quer e, ao mesmo tempo, não se quer saber sobre si mesmo? Uma das coisas que queremos e não queremos saber sobre nós mesmos é a forma como estamos inevitavelmente mudando, e como talvez queiramos mudar. Em nossas linguagens mais modernas e seculares, existe, por um lado, a vida dupla do destino biológico e da autoinvenção e, por outro, a vida dupla do que julgamos saber, e querer saber, sobre nós mesmos e do que não queremos saber sobre nós mesmos (aquilo que é consciente e aquilo que permanece inconsciente).


VII. As pessoas se veem suscetíveis às experiências de conversão quando já não conseguem suportar a complexidade de seu próprio pensamento. Não queremos matar quem mais odiamos, como observou certa vez o psicanalista Ernest Jones; queremos matar quem desperta em nós o conflito mais insuportável. (...) Não queremos converter as pessoas que mais odiamos, e sim as que despertam em nós o conflito mais insuportável. Queremos ser convertidos pelas pessoas que parecem poder resolver nossos conflitos mais insuportáveis. A conversão é um assassinato simbólico.


VIII. Para Balibar, qualquer civilidade possível na política encontra-se sempre sob a ameaça de uma crueldade indelével. “Como se impedir de ser fascista, mesmo (e especialmente) quando se acredita ser um militante revolucionário?”, escreve Foucault no prefácio do Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari. “Como livrar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres, do fascismo?” Na experiência de conversão que é nossa passagem da infância à vida adulta, somos, em algum ponto, claramente fascistas malconvertidos ou convertidos de forma incompleta.


IX. Se não queremos converter os outros para a coisa que mais valorizamos, isso significa que, no fundo, não a valorizamos ou, pelo contrário, que a valorizamos? Ou significa que não a valorizamos mais do que valorizamos as outras pessoas e seus pontos de vista dissidentes? Se não sentimos a necessidade de que acreditem em nós, o que mais deveríamos ou poderíamos ter necessidade de receber dos outros?


X. Precisamos ser convertidos à vontade de ser nós mesmos, ao ato de imaginar nosso eu como algo que não se reduz simplesmente – e exclusivamente – a nosso conjunto de identificações. Como podemos ser como outras pessoas de um modo que nos permita ser mais como nós mesmos?


Adam Phillips, "Sobre Querer Mudar". Trad. Ana Carolina Mesquita (Ubu, 2025).

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