10 vezes Françoise Vergès sobre o museu decolonial
- Guilherme Dearo
- 11 de abr.
- 3 min de leitura
Em "Decolonizar o Museu: Programa de Desordem Absoluta", a pensadora francesa Françoise Vergès critica a visão "universal" do museu inventado no Ocidente, expondo suas raízes coloniais e racistas e propondo uma visão decolonial para o futuro da arte

I. Sem a pilhagem dos tesouros artísticos europeus pelos exércitos napoleônicos, sem o roubo dos frisos do Partenon em 1802, sem o saque do Palácio de Verão pelos exércitos franceses, alemães e ingleses em 1860, ao norte da Cidade Proibida, em Pequim, sem o roubo dos bronzes do Benim em 1897 – para citarmos apenas algumas das pilhagens mais famosas que sucederam no mundo –, o museu ocidental não teria alcançado a glória que alcançou no século XIX e conserva desde então.
II. Não existe inocência branca; o conforto da vida na Europa foi construído sobre o extrativismo e a exploração do Sul global, o que acabou beneficiando também as classes populares. Por isso, embora seja inegável que os/as europeus/eias contribuíram para o pensamento de certa concepção liberal dos direitos, da revolução anticapitalista, dos feminismos materialistas e marxistas, do antifascismo e de certa tradição pacifista, não aderimos à convicção de que a Europa foi o continente que definiu os melhores modos de emancipação, os verdadeiros direitos humanos e das mulheres, enfim, que ela teria compreendido melhor os princípios da liberdade e da igualdade. A aspiração à liberdade sempre esteve no centro das insurreições de escravos/as, trabalhadores/as, camponeses/as e minorias em todo o mundo; há estudos que mostram que filósofos chineses, árabes e africanos refletiram sobre essas noções e que povos de toda parte desenvolveram filosofias de vida e organizações sociais com finalidades emancipatórias.
III. Tudo isso demonstra, como se ainda fosse necessário, que o museu não é um espaço neutro, mas um campo de batalhas ideológicas, políticas e econômicas.
IV. (...) máscara branca: o neoliberalismo permite a presença de rostos negros, árabes, asiáticos ou queer, mas depois de uma rigorosa seleção.
V. As pessoas vão ao museu para se cultivar não apenas numa história eurocentrada da arte, mas também numa disciplina da visão e do corpo. O museu é visitado em silêncio, com o recolhimento próprio de certa concepção da recepção da beleza conveniente à cultura burguesa. O museu é também um centro comercial, um local importante de turismo, um espaço de hierarquia social, de gênero e raça, no qual a norma é a propriedade privada e nacional.
VI. Quando a poeta afro-americana Jayne Cortez declara que “o Museu quer a nossa arte, a nossa cultura, a nossa presença como visitantes… mas não nos quer”, ela resume o que é esse movimento de mudar para não mudar nada.
VII. De certo modo, Napoleão foi o verdadeiro criador do Louvre. A política de aquisição por multa, roubo e confisco no período napoleônico não é uma curiosidade histórica. Algumas coleções privadas de reis, imperadores e riquíssimos aristocratas se formaram baseadas na relação de força, no butim de guerra, na pilhagem – mas nenhuma se dizia em nome de uma república cuja divisa era “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.
VIII. Os povos são espoliados em nome do progresso, mas podem vir admirar seus tesouros nos museus da França, que os conserva e preserva em nome de um princípio superior ao egoísmo de um povo: o princípio do universal.
IX. Falar da decolonização impossível do museu é convidar a imaginar o “pós-museu”, a pensar que arquitetura acolheria objetos, imagens, sons e narrativas, que funcionamento e que economia teria essa instituição, quem trabalharia nela e como. De que forma se evitará a hierarquia de gêneros, raça e classe? Quais serão suas leis fundadoras? É se permitir um salto de imaginação.
X. Uma prática decolonial antirracista e anticapitalista não pode virar as costas para os fatos: um espaço artístico e cultural é uma estrutura social vinculada a redes econômicas, a pessoas que a limpam e alimentam.
Françoise Vergés. Decolonizar o Museu - Programa de Desordem Absoluta. Editora Ubu, 2023. Trad. Mariana Echalar.
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